Atos 20:7 reza: "E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, discursava com eles; e alargou a prática até a meia-noite." - E desse texto, que relata um fato eventual da vida paulina, alguns tomam a liberdade de tirar as seguintes conclusões:
1. Que os crentes em Trôade reuniam-se regularmente aos domingos para o culto, e que esta foi uma reunião de Santa Ceia;
2. Que a reunião em tela não ocorreu sábado à noite, como admitimos por motivos óbvios;
3. Que Lucas, sendo gentio e escrevendo a um "romano", deveria valer-se da contagem romana de tempo, e não da judaica;
4. Que os romanos desde o início de sua história (753 a.C.) contavam os dias de meia-noite à meia-noite;
5. Que provavelmente (não afirmam com convicção) Lucas seguira o método romano.
Vamos pulverizar estas falsidades, seguindo, a ordem numérica acima estabelecida:
1. A afirmação de que os cristãos troadeanos se reuniam com absoluta regularidade aos domingos é temerária, destituída de fundamento, pois a Bíblia não se infere que havia, na época, tal costumes, e os documentos do primeiro século o desautorizam.
O Dr. Augusto Neander, abalizado escritor eclesiástico, insuspeito por ser observador do domingo, assim se refere à passagem de Atos 20:7: "A passagem não é absolutamente convincente [como prova da guarda do domingo], porque a partida iminente do apóstolo era motivo para reunir a pequenina igreja, em uma ceia fraternal, ocasião em que fez seu último discurso, embora não fosse culto especial de domingo nesse caso."
Também o autorizado Ellicott, observador do domingo, no seu comentário bíblico, assim considera esta passagem: "'Que havia de partir no dia seguinte.' - Pode parecer estranho que alguns sustentem a opinião exposta na nota anterior, de que o apóstolo e seus companheiros assim se propusessem a viajar no dia ao qual se transferissem todas as restrições do sábado judaico. No entanto, é de se lembrar: 1.º - que não há nenhuma prova de que S. Paulo pensasse em tais dias como assim mudados, mas bem ao contrário (Gálatas 4:10; Colossenses 2:16); e 2.º - que o navio, no qual seus amigos tomaram passagem, provavelmente não devia alterar seu dia de partida para satisfazer escrúpulos, mesmo que tais escrúpulos existissem."

Quanto ao "partir o pão" há divergência de interpretação, sendo temerária a afirmação de que se tratasse da Santa Ceia. Este "partir o pão" era um ato que os cristãos primitivos praticavam diariamente (Atos 2:46), e não apenas no primeiro dia da semana, como se pretende insinuar. A própria Bíblia se encarrega de desmentir conclusões levianas.
Walker, notável historiador eclesiástico, assim comenta o costume: "... partiam o pão diariamente em casas particulares. Este 'partir o pão' servia a um fim duplo: era um elo de fraternidade e um meio de sustento para os necessitados."
2. O sistema de contar os dias de pôr do Sol a pôr do Sol vem da Criação, e está em toda a Bíblia. E quanto ao tempo referido na passagem de Atos 20:7, podemos alinhar um rol de citações que confirmam nosso ensino.
Conybeare and Howson, têm esta convicção: "Era o anoitecer que sucedia o sábado judaico. No domingo de manhã o navio deveria partir... Ele [Paulo] continuou sua solitária viagem naquele domingo, depois do meio-dia, na primavera, entre os carvalhais e córregos de Ida."
Robertson, admite: "Com toda probabilidade se reuniram em nosso sábado à noite - início do primeiro dia ao pôr do Sol."
Calvino, assim comenta a passagem: "É ponto pacífico que Paulo esperara pelo sábado, por que no dia anterior à sua partida, podia muito facilmente encontrar reunidos todos os discípulos num mesmo lugar. Digno de nota é o favor de todos eles, não se sentindo incomodados em que Paulo lhes discursassem até à meia-noite, embora necessitasse ele seguir viagem; tampouco se tratava de uma ocasião especial para serem instruídos. Pois não tinha o apóstolo outro motivo para alongar o seu discurso a não ser unicamente o profundo desejo e atenção dos seus ouvintes."
Convém alinhar mais comentários de eruditos evangélicos, observadores do domingo:
Hackett, professor de grego do Novo Testamento, no Seminário Teológico de Rochester, diz em seu comentário: "Os judeus contavam o dia da tarde para a manhã, e sobre esta base a noite do primeiro dia seria nosso sábado à noite. Se Lucas aqui contava assim, como supõem muitos comentaristas, o apóstolo então aguardava o término do sábado judaico, e realizara sua última reunião religiosa com os irmãos em Trôade... na noite de sábado, e em conseqüência, recomeçara a viagem na manhã de domingo."
O autorizado e sempre citado Moffat, consigna o seguinte comentário sobre a passagem em lide: "Paulo e seus amigos não podiam, como bons judeus, iniciar uma viagem no sábado; fizeram-na tão cedo quanto foi possível, a saber, na madrugada do 'primeiro dia' - tendo o sábado expirado ao pôr do Sol."
Outro estudioso do assunto foi McGarvey: "Chego, portanto, à conclusão de que os irmãos se reuniram na noite após o sábado judaico, que era ainda observado como dia de repouso por todos dentre eles que eram judeus ou prosélitos; e considerando este fato, tal foi o início do primeiro dia da semana, empregado na maneira acima descrita. Na manhã de domingo, Paulo e seus companheiros reencetaram a viagem."
Robertson Nicoll nos diz sobre o assunto: "Vieram a Trôade, e lá permaneceram por uma semana, forçados sem dúvida pelas exigências do navio e seu carregamento. No primeiro dia da semana, S. Paulo reuniu a igreja para culto. A reunião realizou-se no que poderíamos chamar de sábado à noite; pois nos devemos lembrar de que o primeiro dia judaico começa ao pôr de Sol do sábado."
Stockes, outro comentarista de valor nos diz: "A reunião foi realizada no que poderíamos chamar a noite de sábado; pois nos devemos lembrar de que o primeiro dia judeu tinha início ao pôr do Sol do sábado."
Stifler, também autor de um comentário do livro Atos dos Apóstolos, nos informa: "Sem dúvida reuniram-se na noite de nosso sábado, de modo que o pão da comunhão foi partido antes do romper do dia, na manhã do nosso domingo."
Conviria lembrar a maneira bíblica de delimitar o dia. Para isso devem-se reler Gênesis 1:5, 8, 19, 23 e 31; Levítico 23:32, Marcos 1:32, 15:42 e outras passagens. Assim fica pulverizada a segunda conclusão leviana.
3. Grande erro é afirmar que Lucas, sendo gentio e escrevendo a outro gentio, se tivesse valido do sistema romano de demarcar o tempo. Os evangelhos sinóticos referem-se ao sistema judaico, ainda vigorante em seus dias. E também Lucas. Primeiramente vejamos no seu Evangelho dirigido ao mesmo Teófilo:
Lucas 2:8 - "vigílias da noite" (não havia tal entre os romanos).
Lucas 4:40 - "pôr do Sol".
Lucas 23:44 - "hora sexta" (½ dia entre os romanos) e também "hora nona" (3 horas entre os romanos).
Lucas 24:29 - "é tarde e já declina o dia" (referência clara ao pôr de Sol).
Há também em Atos dos Apóstolos:
Atos 2:15 - "hora terceira" (9 horas entre os romanos).
Atos 3:1 - "hora nona" (15 horas).
Atos 10:3 - "hora nona".
Atos 10:9 - "hora sexta" (½ dia).
Atos 23:23 - "hora terceira" (21 horas) da noite. Cláudio Lísias não mandaria escoltar Paulo às três da madrugada... Lucas não se valeu da contagem romana. E assim fica fulminada a terceira conclusão imprudente.
4. Que os romanos desde o início de sua história adotassem o chamado "dia civil", é afirmação que provoca repúdios entre pessoas de certa cultura. Recomendaríamos o livro "Sunday in Roman Paganism", de Leo Robert Odom, que traz exaustivas provas de que o "dia civil" se implantou no início da era cristã.
Citaremos aqui apenas o testemunho de um escrito W. E. Allen: "No fim do primeiro século o método judaico não estaria mais em uso."
Deve-se dizer, em alto e bom som, que a Bíblia não se subordina aos arbítrios humanos, pois Deus não altera Suas normas. O modo bíblico de contar o tempo é sempre o mesmo. E se os oponentes da verdade, contra todas as provas, teimarem em afirmar que a reunião de Trôade se deu num primeiro dia da semana, então foi numa noite que findava esse dia, e então a "Santa Ceia" ocorreu numa segunda-feira, pois se deu depois da meia-noite!!!
5. Aquele advérbio "provavelmente" destrói o próprio argumento. Nos não nos basearíamos em doutrina alguma sobre probabilidades. Tudo no que cremos se assenta na sólida base de um "Assim diz o Senhor..."
Depois de expor estes fatos incontraditáveis, afirmamos: ainda que a reunião de Trôade se desse, sem sombra de dúvida, num domingo, e ainda que nela se celebrasse a Santa Ceia, nada disso constituiria prova de que o dia de repouso houvera sido mudado, pois não há na Bíblia recomendação taxativa a respeito.
A verdade, porém, é que Paulo passou aquele domingo caminhando a pé, de Trôade a Assôs, uma distância de várias dezenas de quilômetros. Bem analisada, a passagem é contrária à tese dominguista.
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